A prática

  • Preservamos a dinâmica das crianças

Guardamos para que as crianças desfrutem de seu próprio ritmo e exploração. Prezamos a manutenção de um campo – a qualidade do espaço-tempo em que estamos inseridos. Para tanto, nos inclinamos à mínima intervenção dos adultos na experiência das crianças.

Não confundir com a não-interação com a criança, menos ainda com o abandono. Pelo contrário, trata-se de conectar-se com ela no momento presente e, a partir disso, perceber e reconhecer a gênese das suas emoções.

 

  • Incluímos as crianças na dinâmica da vida

Não separamos a “atitude de campo” do fluxo cotidiano da vida. Guardamos para que as crianças não sejam apartadas das práticas e valores cotidianos, lidando com os diferentes contextos tal como estes se apresentam, interagindo com todos os atores da realidade. Às crianças, apresentamos o próprio mundo, não seu simulacro.

Prezamos pela espontaneidade e pela atuação coerente dos valores dos adultos. A prática com as crianças busca a mesma sinceridade e naturalidade que a prática de todas as outras atividades do cotidiano.

 

  • Autenticidade da pesquisa do adulto

Partindo dos nossos mais caros interesses pessoais, alcançamos trocas mais vivas entre todos, adultos e crianças. Mantendo-se fiel a um interesse genuíno, o adulto não precisa propor atividades aleatórias às crianças. Ele apenas oferece o contato com aquela investigação (intrínseca, real), podendo abrir mão de motivações teóricas (extrínsecas, desconexas) a respeito de habilidades ou valores a serem desenvolvidos

Cada interação entre os adultos pesquisadores e as crianças se dá então de forma espontânea e independente, não havendo necessidade de qualquer categorização das práticas de acordo com faixas etárias ou necessidade de aquisição de determinadas habilidades normativas (atividades para alfabetização, para desenvolvimento motor, etc).

Desenvolvendo o próprio interesse, os adultos deixam as crianças elegerem e dirigirem seu próprio percurso ao mesmo tempo em que eles mesmos se engajam nas atividades de seu interesse, contribuindo para a naturalidade do fluxo de qualquer atividade.

 

  • A criança sabe nos mostrar o que é melhor para ela/ A criança sabe e é competente.

Encaramos as crianças como serem autores de sua própria construção como pessoas. Acreditamos que todas as pessoas têm suficiente intimidade consigo mesmas para se expressarem e serem reconhecidas como autoridades no conhecimento de si. Corroborando com os princípios anteriores, este apresenta clara e assertivamente a perspectiva de protagonismo da infância da qual compartilhamos no Barro. A partir deste princípio está justificado porque usamos da mínima intervenção dos adultos, tanto na proposição de atividades quanto na solução de conflitos.

Buscamos trazer à tona a apropriação de cada criança sobre si própria, sem que o adulto seja um perpétuo intérprete de suas próprias vontades. Liberamos assim as crianças das frequentes projeções dos adultos que, por vezes, atribuem a elas sentimentos deles próprios.

 

  • Auto-Observação / Presença no momento / Fluxo espontâneo

São nossas principais ferramentas.

Auto-Observação: Se observar enquanto estamos em qualquer atividade, principalmente com as crianças, nos abre a possibilidade de testemunhar nossas próprias reações diante de qualquer situação. Se observar não é sinônimo de não interagir ou necessariamente frear todo e qualquer impulso, mas significa sim, reparar no que acontece de maneira a deslocar ou dividir a atenção entre o que se passa a nossa frente e dentro de nós. Por si só a auto-observação reduz a intensidade de qualquer reação e, aliada à mínima intervenção, nos dá a oportunidade preciosa de testemunharmos nosso próprio funcionamento nos sendo então apresentado o convite à revisão de nossa crenças e hábitos mais arraigados.

Presença no momento: um aspecto muito importante que decorre da auto-observação ao mesmo tempo que cria condição para a mesma. De fato, a auto-observação e a presença consciente no momento se retroalimentam mutuamente. Neste projeto, a qualidade do momento compartilhado é de importância central, e, para manter tal qualidade é necessário mantermos nossa atenção no momento presente para que possamos abrir um espaço existencial para a emergência das possibilidades inatas da infância. Tal presença cria a condição necessária para que ocorram eventos internos (percepções, intervenções, intuições) originais, que não estejam completamente comprometidos com a inércia de nossas crenças e hábitos.

Fluxo espontâneo: coloquialmente “Master Flow”, termo precisamente cunhado por um pai do grupo, não se trata de uma técnica, mas antes de uma lembrança sobre a leveza da prática com as crianças. Se nos mantivermos tensos na auto-observação e na presença do momento, teremos um ganho superficial e relativo ao andamento de cada adulto que se esforça na constituição do Campo. O fluxo espontâneo é o princípio que deve gerar a lembrança de estarmos relaxados e suscetíveis aos interesses que circulam pelo Campo. Relaxe! Observe, esteja presente, mas relaxe e aproveite o momento de compartilhamento deixando-se ser levado pelas solicitações do momento. Estar em “estado de infância” é estar em fluxo – emoções vem e vão, interesses vem e vão, conflitos vem e vão, impressões e reações vem e vão. Não se apegue às resistências!

 

  • Valorização dos vínculos Off-Line

Entendemos que o vínculo humano, baseado em afetividade e empatia, ocorre primordialmente por vias não virtuais. Tanto para fins de fluidez e assertividade na comunicação quanto para fins de aprofundamento e fundação de laços comunitários reais, prezamos o contato off-line, cara-a-cara, olho-no-olho. Prezamos o contato pessoal por entender que a melhoria efetiva da qualidade de vida em coletivo depende de uma evolução na qualidade do compartilhamento humano real.

 

  • Compreensão e acolhimento são proporcionais ao vínculo

O Barro é aberto, o que implica em uma grande diversidade de arranjos interpessoais que seguem os vínculos de cada um do grupo sem a menor necessidade de tais vínculos se apresentarem simetricamente. O grupo é diferente para cada um de seus membros, que, através das experiências que partilha com outros, constitui sua própria rede de apoio e acolhimento. Como não adotamos nenhum saber prévio para o julgamento da saúde do desenvolvimento das crianças, é através da constituição deste vínculo que se dá a pertinência de observações e contribuições para o conhecimento das mães e pais sobre seus filhos. Todos podem contribuir desde que sintam-se parte de uma relação de verdade. O acolhimento também é proporcional ao vínculo uma vez que não dispomos de nenhum dispositivo institucional que transfira a credibilidade de uma ação ou parecer a qualquer outra instância que não a própria relação entre as pessoas envolvidas. Em outras palavras, tanto mais se compreende e se acolhe quanto maior for o vínculo real entre as partes.

 

  • O Outro nos espelha – auto-responsabilidade – criação de realidade

Para evitar que o princípio acima tome proporções excludentes ou justifique a formação de sub-grupos fechados (“panelinhas”), é necessário aferir ao Outro também uma autoridade sobre conteúdos que nos concerne. Apesar da assimetria natural dos vínculos, o respeito e a oportunidade de crescimento no encontro com a diferença nos toca igualmente. Portanto, o olhar, a experiência, o conhecimento e a atitude de um Outro não íntimo sempre poderá agregar e alimentar nosso próprio ponto de vista e experiência interior. Não há culpados. Somos criadores da nossa própria realidade. Os eventuais incômodos e dificuldades na lida com outras pessoas deve primeiro ser encontrado na dimensão interior e pessoal de quem percebe determinada dificuldade. A inevitável transferência ao Outro de conteúdos obscuros de nossa prórpia personalidade é material de trabalho e conscientização por parte de cada um, contribuindo para a melhor qualidade possível da convivência com as diferenças.

 

  • Amorosidade para com tudo e todos / Aceitação incondicional do Outro

Em consonância com o princípio acima descrito, buscamos multiplicar em todas as escalas a boa qualidade do tempo compartilhado, seja com as crianças ou com os adultos. Para cumprir com o propósito inclusivo de fortalecer o pertencimento comunitário e sanar os territórios em que atuamos da indiferença típica dos grandes centros urbanos, advogamos por uma amorosidade incondicional.

6 ideias sobre “A prática

  1. Carolina Beatriz Penazzi Ostronoff

    Hoje, estive na praça Gastão Vidigsl com meus dois filhos. Um de 6 meses e outro de 3 anos. Nunca senti eles tão leves, livres e felizes. Foi transformador sentir o poder da não interferência. Como mãe e criança obrigada! Faremos parte desses encontros!!!

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